Ato Inseguro ou Erro Humano? Como tratar o Ato Inseguro na prevenção de incidentes. (ARTIGO 1/4)

Ato Inseguro ou Erro Humano? O artigo aborda a diferença principal entre o conceito que abrange os termos, suas peculiaridades, aplicações e consequências.

O termo “ato inseguro”, embora em extinção, ainda está presente no vocabulário das pessoas no ambiente de trabalho. Este termo e abordagem tem origem na teoria de gênese de acidentes postulada por W.H. Heinrich em 1929, denominada de teoria do dominó, representada na figura 1.

teoria do dominó

Figura 1 – Representação do Modelo do Dominó 1

Deste então consolidou-se na prática da investigação de acidentes definir como causa do acidente o “ato inseguro”, entendendo como ato inseguro qualquer ação do executante da tarefa decorrente do seu comportamento desde a não percepção do risco até o improviso de alguma ferramenta, equipamento, o não uso ou adoção de uma medida de controle tal como um EPI, o fato de ignorar uma norma, procedimento, dentre outros.

Com o tempo, “ato inseguro” ganhou o significado de “culpa”; de quem errou, quando na realidade, uma investigação de acidentes não tem o propósito de indicar quem errou, mas o que aconteceu de errado. Outro aspecto importante da classificação de causa de acidente como “ato inseguro” é que isso não abre caminho para identificar como evitar a recorrência do ato inseguro por se tratar de uma denominação genérica de causa.

Em 1990, um psicólogo chamado James Reason publicou um livro abordando o erro humano 2 e, embora admita que não há uma classificação universal para o erro humano, ele desdobra o ato inseguro em erros humanos e os classifica, como mostra a figura 2.

ato inseguro ou erro humano

Figura 2 – Classificação de erros humanos segundo James Reason

 

Desta forma, fica mais plausível tratar o que denominamos ato inseguro. Tratando esse termo como erro humano e classificando o erro como Lapso, Deslize, Equívoco ou Violação, como faz James Reason, a ação de evitar recorrência recai sobre a origem do erro como mostra a figura 2.

Lapso e deslize

O lapso e o deslize são erros humanos típicos resultantes de deficiência no processamento mental de informações, associados à percepção e ao processamento sensorial, à memória e à atenção no trabalho. Em termos de percepção e processamento sensorial, resultam da dificuldade de identificação de objetos, mensagens, sinais, advertências, alarmes e outros estímulos e decorrem de similaridade em termos de aparência, localização e função entre objetos, dificuldade de audição, baixa luminosidade, desconcentração no trabalho por motivos diversos, cansaço, estresse.

lapso ou deslize

Deslize é aquele no qual pensamos em fazer alguma coisa e, inadvertidamente procedemos diferentemente daquilo que pensamos inicialmente.

Em termos de uso da memória, decorrem da “robotização” da execução da tarefa que dificulta a migração de informações para a memória de curto prazo, da dificuldade de lembrar ou buscar informações na memória de longo prazo, muitas vezes decorrente do cansaço, da idade ou mesmo do estresse, dentre outros fatores. Este tipo de erro é característico da execução de tarefas e, na grande maioria das vezes, ele é cometido por pessoas experientes na execução de trabalho rotineiro, quando as pessoas já o fazem quase que no “piloto automático”, quando o nível de atenção e concentração naquilo que está sendo feito é praticamente nulo. Enquanto o erro tipo lapso é caracterizado por “um branco” na memória, o deslize é aquele no qual pensamos em fazer alguma coisa e, inadvertidamente procedemos diferentemente daquilo que pensamos inicialmente.

Em função das suas características, este tipo de erro é de difícil prevenção.

O caminho mais efetivo para preveni-lo é através da ação sobre equipamentos e instalações, identificando as possibilidades de erros e suas consequências e instalando barreiras e defesas capazes de prevenir a sua ocorrência, denominados de “dispositivos à prova de bobeiras”. Exemplo típico de dispositivo desta natureza é uma tomada elétrica de três pinos. Normalmente, este tipo de tomada tem o terceiro pino diferenciado dos dois outros e só há uma posição na qual ele se encaixa na fonte de energia.

Outros exemplos de dispositivos à prova de bobeira fazem parte da nossa rotina como, por exemplo, os veículos atuais, para prevenir a abertura inadvertida das portas com ele em movimento, travam automaticamente as mesmas quando ele atinge determinada velocidade (10 km/h).

Em termos de máquinas e equipamentos, o projeto de botoeiras, chaves liga-desliga, escalas de instrumentos, em termos de tamanho e unidade de medida, intertravamento de equipamentos e componentes, sequenciamento automático de partida e parada, instalação de válvulas de alívio, detectores de gases, fumaça e calor, são exemplos de ações de prevenção aos lapsos e deslizes.

Equívoco

equivoco

O equívoco ocorre principalmente quando não há informações e conhecimento suficientes para a tomada de decisão.

O equívoco é um erro típico de julgamento e está associado ao planejamento da tarefa ou na solução de um problema. Em termos de decisão, significa processar informações incompletas ou admitir como verdadeira a aplicação de condições usuais comuns em situação de rotina para situações nas quais existem mudanças que deveriam ser consideradas. Ocorre principalmente quando não há informações e conhecimento suficientes para a tomada de decisão e neste caso adota-se premissas não verdadeiras ou deixa de considerar todo o cenário na decisão por falta de informação e conhecimento.

Este tipo de erro é muito comum na execução de tarefas rotineiras, que apresentam mudanças, ou na execução de tarefas não rotineiras, nas quais nem sempre o cenário completo é conhecido. Exemplo clássico de equívoco é aquele em que se decide colocar um equipamento em operação que não está sinalizado, não tem cartão nem cadeado de bloqueio, no qual existem ainda pessoas trabalhando. Ao decidir operar o equipamento, o pressuposto básico é que ele está apto a operar, pois não existem indícios visíveis de que o mesmo se encontra em reparos ainda.

A prevenção a este tipo de erro é provida por sistemas e práticas de comunicação apropriada e adequada, que incluem sinalização horizontal, vertical, sinais de advertência, alarmes, além de procedimentos rígidos e redundâncias de defesas e barreiras para agir em situações, principalmente quando as consequências do erro forem potencialmente significativas.

Por outro lado, a existência de procedimentos operacionais padrão atualizados, utilizados efetivamente como instrumento de treinamento de novos funcionários, é um meio de prevenir também este tipo de erro, pois o aprendizado por parte de novos funcionários, somente a partir do exemplo de pessoas mais experientes ou pelo acompanhamento da rotina de trabalho por algum tempo, pode ser uma armadilha e contribuir para que as pessoas assimilem práticas de trabalho associadas a premissas e pressupostos não verdadeiros ou não apropriados.

Violação

A violação como o próprio nome indica é a negação consciente de princípios, regras e procedimentos na condução do trabalho. Em termos de decisão significa decidir e adotar ação contraria àquilo que é julgado correto, com base não somente no que está escrito, mas também nos acordos e regras informais e não documentadas. A violação pode assumir duas facetas: a violação cultural e a violação excepcional. A primeira está incorporada na cultura organizacional e foi construída com a tolerabilidade das lideranças e seu aval no reforço equivocado a comportamentos inadequados: motivos impróprios. É reforçada ainda pelo modelo de treinamento e capacitação adotado, quando os mais novos aprendem com os mais velhos na empresa, através do exemplo no dia a dia.

violacao

A violação é decidir e adotar ação contraria àquilo que é julgado correto, com base não somente no que está escrito, mas também nos acordos e regras informais e não documentadas.

Deste modo, comportamentos e hábitos inadequados e que constituem violação tornam-se validados e constituem novas regras informais para se executar o trabalho. A segunda faceta da violação, a excepcional, é decorrente de situações em que o foco não está na prevenção de incidentes, mas em outro qualquer, tais como ganhar tempo, encurtar caminho, diminuir tempo de parada, aviar a partida de um equipamento ou instalação, etc. Reforços positivos a estes comportamentos ou a ausência de reforços negativos podem contribuir para que violações excepcionais se transformem em violações culturais. Embora as violações sejam classificadas como erros intencionais, sempre elas são justificadas por um motivo.

Deste modo, mesmo sabendo que é ilegal avançar o sinal vermelho, nunca paramos num cruzamento à noite num local de pouco movimento, pois não queremos ser alvo de assaltos (o motivo). Isto significa que a prevenção de erros desta natureza passa necessariamente pela identificação do motivo, sem o qual não se identifica a causa fundamental. Apenas punir pela violação é agir no efeito, principalmente quando ela é um erro excepcional.

Sabotagem

Pessoas que acreditam que estão sendo tratadas injustamente por seus superiores, especialmente seus supervisores diretos, alimentam sentimento de frustração, mágoa e mesmo raiva. A consequência é a revolta e, muitas vezes, ou se demitem ou iniciam ações de vingança, vandalismo, comportamento cínico, propagação de fofocas e chegam a sabotar a empresa de diversas formas. Segundo Peter J. Frost, no livro “Emoções Tóxicas no Trabalho”, um estudo profundo e demorado de seis anos sobre sabotagem no local de trabalho, descobriu-se que 65% de todos os atos de sabotagem originam-se de descontentamento com a administração e conduta injusta em relação aos trabalhadores.

Segundo este autor, a insatisfação com a administração leva à redução da lealdade, e uma vez que a lealdade foi destruída, um empregado fica mais propenso a cometer atos de sabotagem. Uma das investigações do acidente de Bhopal na Índia, ocorrido em 3 de dezembro de 1984, aponta como uma das causas do vazamento do Metil Isocianato “ato de sabotagem”.

A prevenção de erros desta natureza passa pelas relações de trabalho. O clima organizacional e os estilos gerenciais exercem influência significativa sobre o desenvolvimento de um clima de satisfação e prazer no trabalho. Por outro lado, o descuido com esses aspectos é capaz de destruir a estima e a lealdade das pessoas, tornando o trabalho um sofrimento e, portanto, doloroso.

Segundo James Reason existem três fatores que contribuem com a ocorrência de erros humanos: a natureza da tarefa, as circunstancias de execução da tarefa e a natureza humana.

É fato que a correta caracterização e classificação do ato inseguro é importante na investigação do incidente para evitar a recorrência. No entanto, é mais relevante incorporar esta abordagem na avaliação de risco pois enquanto a investigação de incidentes é uma forma reativa de gerenciar o risco, a avaliação de risco é uma abordagem proativa pois permite antecipar à ocorrência de um evento indesejado e assim evitar os incidentes.

Continue lendo o próximo artigo que dá sequência ao tema: Ato inseguro e Motivação (ARTIGO 2/4)

Autor: Reginaldo Pedreira Lapa
Engenheiro de Minas e de Segurança do Trabalho

1 – Fonte: Lapa, Reginaldo P., Investigação e Análise de Incidentes, Edicon, São Paulo, 2011
2 – Fonte: Reason, James. Human Error, Cambridge University Press, USA, 1990

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *