Ato Inseguro e Motivação (ARTIGO 2/4)

Ato Inseguro e Motivação: considerando-se que as pessoas são realmente diferentes umas das outras, a começar pela própria natureza decorrente principalmente da sua carga genética e pelas experiências adquiridas no decorrer do seu desenvolvimento (infância, adolescência, maturidade e velhice), é razoável que reajam de forma diferente quando expostas a estímulos similares.

A maior parte das teorias sobre motivação têm oferecido uma única explicação genérica sobre a razão pelas quais, diferentes pessoas buscam a realização de suas metas pessoais e decidem de forma diferente o que fazer e como fazer. Isto, porque os postulados básicos dessas teorias procuram explicar o comportamento de todas as pessoas, mas não conseguem identificar ninguém em particular. Assim, na lógica, essas teorias são facilmente compreendidas, mas difíceis de serem aplicadas na prática.

Isso acontece porque desconsideram a realidade existencial a partir da qual cada ser humano é único e, consequentemente, cada situação por ele vivida em sua experiência também é única.

Partindo do pressuposto que as pessoas têm interesses diferentes e que cada indivíduo é um ser único, há de se considerar a separação de dois tipos de ação que resultam no que denominamos de ato inseguro no artigo e erros humanos, especialmente aqueles classificados como equívocos e violações. Leia mais em nosso artigo “Ato inseguro ou Erro Humano? Como tratar o Ato Inseguro na prevenção de incidentes.”

Aquelas empreendidas pelo indivíduo e que foram condicionados por fatores externos => Movimento
Aquelas que, espontaneamente, são emitidas pela pessoa, a partir de seus desejos e intenções => Motivação

A vantagem dessa distinção consiste em poder conhecer quando o indivíduo age por influência do meio externo e quando age motivado por processo interno. A não distinção entre estes dois termos e seus conteúdos, pode fazer com que as pessoas acreditem que somente poderão mover-se quando recompensadas ou punidas, adotando, assim, um estado passivo de comportamento.

ato seguro e motivação

A pessoa em “movimento” necessita de condicionante externo ininterrupto para continuar o curso de sua ação. Quando se fala em motivação no seu sentido mais preciso, há que se acreditar que o homem motivado exibe o comportamento que quer e quando quer.

É importante que seja bem claro que a pessoa em “movimento” necessita de condicionante externo ininterrupto para continuar o curso de sua ação. Quando se fala em motivação no seu sentido mais preciso, há que se acreditar que o homem motivado exibe o comportamento que quer e quando quer.

Por outro lado, temos que compreender o movimento. Uma vez que a pessoa não age por si mesma, faz-se necessária a constante vigilância, caso se queira a permanência de um comportamento ou que um comportamento indesejável seja eliminado. Há de se considerar também que alguns comportamentos, por mais que sejam reforçados positivamente, jamais serão exibidos de forma espontânea. Portanto, não há de se falar em técnicas com objetivo de motivar pessoas.

Isso implica em compreender que a motivação vem das necessidades e não daquelas coisas que satisfazem estas necessidades. É natural acreditar que podemos estar motivando alguém baseado naquilo que nos motiva. Primeiramente, é preciso saber que ninguém motiva ninguém. Temos que aprender que o que é bom para mim pode não ser para o outro.

Ao tratarmos com motivação é fundamental que esteja muito claro aquilo que nos motiva e o que motiva a cada uma das pessoas com as quais estamos envolvidos. Se houver possibilidade de se identificar o fator motivador de uma pessoa, passamos, então, para a etapa seguinte que é a verificação da possibilidade ou não da realização da expectativa desta pessoa.

Um passo importante para a realização da satisfação é a possibilidade de utilizar as habilidades, capacidades e expectativas pessoais. Em segurança do trabalho, não basta informar as pessoas sobre as condições perigosas e os riscos existentes, oferecer a elas recursos para se protegerem de tais condições perigosas, pois se cada indivíduo não encontrar sua motivação pessoal para agir de forma segura, o que haverá é um grupo de pessoas em movimento, ou seja, quando cessado o controle ou o estímulo externo, cessará também o comportamento desejado do indivíduo.

Uma analogia simples é a mola: enquanto há o exercício da pressão ela permanece comprimida; cessada a força de pressão a mola vota ao seu estado natural.

comportamento humano

Comportamento é resultante das atitudes das pessoas perante a realidade e dos estímulos.

Estratégias que privilegiam o controle do comportamento estão apenas estimulando e medindo o resultado da ação do indivíduo a partir do controle externo exercido, portanto a obtenção do comportamento adequado apenas mostra que o controle externo está cumprindo seu papel. Mas cuidado, pois não há qualquer garantia de que o indivíduo se encontre motivado e que esteja tendo aquele comportamento desejado por convicção pessoal. Portanto, há uma grande chance de que, caso o controle cesse ou sofra algum tipo de falha, o indivíduo expresse outro comportamento qualquer, que pode incluir atitudes contrárias às melhores práticas de segurança.

Em outras palavras podemos dizer que o comportamento é resultante das atitudes das pessoas perante a realidade e dos estímulos, representado pela sua carga genética e experiências e pelos motivos que o induzem àquele comportamento seja ele um comportamento positivo ou negativo conforme ilustra a figura 1.

Significa que o comportamento é impulsionado pelas atitudes e motivos e ainda que para entender o comportamento é fundamental que se mergulhe no conhecimento dos motivos e da atitude das pessoas.

atores que induzem ao comportamento

Figura 1 – Fatores que induzem ao comportamento

 

Portanto, comportamento é aquilo que as pessoas fazem ou como atual e motivos são as razoes que induzem ou contribuem para que as pessoas façam o que fazem. Naturalmente que o comportamento esperado pode ser positivo ou negativo e esse comportamento pode ser decorrente de motivos positivos e negativos também. Assim, há de se pensar nas seguintes combinações:

  • Motivo positivo para se obter um comportamento positivo, como por exemplo: a promessa de um pai oferecendo um prêmio a seu filho por uma boa performance na escola, estudando e obtendo boas notas. Neste caso, o comportamento esperado é a boa performance para obter o prêmio desejado.

 

  • Motivo positivo para se obter um comportamento negativo, como por exemplo uma premiação para a equipe que obtiver maior volume de relatos de quase acidentes no mês. Neste caso, o resultado esperado pode ser a criação ou invenção de relato de quase acidentes inexistentes, como forma de obter a premiação.

 

multa transito

Motivo negativo para se obter um comportamento positivo. Neste caso o resultado esperado é que as pessoas andem na velocidade segura nas vias de rodagem.

  • Motivo negativo para se obter um comportamento positivo, como por exemplo multas de trânsito para quem não obedece aos limites de velocidade. Neste caso o resultado esperado é que as pessoas andem na velocidade segura nas vias de rodagem.

 

  • Motivo negativo para se obter um comportamento negativo como por exemplo uma ameaça aos funcionários de um determinado departamento caso seja relatada alguma não-conformidade na auditoria de certificação. Neste caso o comportamento esperado é as pessoas esconderem as não conformidades dos auditores.

 

Os autores Judy L. Agnew e Aubrey C. Daniels especialistas na ciência do comportamento publicaram um livro denominado “Safe by Accident ?”no qual apresentam um modelo de comportamento denominado modelo ABC – Antecedent, Behavior & Consequence. Segundo este modelo, todos os comportamentos são o resultado de situações em que as pessoas se encontram, e os resultados ou consequências do comportamento. Os comportamentos são influenciados pelos antecedentes e impulsionados pelas consequências sendo que:

  • Antecedentes são os eventos que acontecem antes do comportamento;
  • Comportamento (Behaviour) é a forma específica como o indivíduo age e,
  • Consequências são os eventos que acontecem com o indivíduo que adota o comportamento (imediatamente e posteriormente);

Este modelo adota a seguinte nomenclatura para avaliar as consequências conforme ilustra a figura 2:

P =Positive (Consequência Positiva)

N =Negative (Consequência Negativa)

I = Imediate (Consequência imediata)

F =Future (Consequência futura)

C =Certain (Consequência certa e garantida)

U =Uncertain (Consequência incerta ou improvável)

Modelo ABC

Figura 2 – Modelo ABC

Segundo o modelo, as consequências mais fortes são as mais rápidas, certas e positivas (PIC – NIC) e os antecedentes mais fortes são os que levam diretamente às consequências fortes. Uma representação da hierarquia do poder relativo das consequências na motivação comportamento segundo o modelo ABC do é mostrada na figura 3.

Poder relativo das consequências

Figura 3 – Poder relativo das consequências

Vejamos um exemplo de aplicação deste modelo: o que motiva pessoas a exceder a velocidade regulamentar quando operando equipamentos, como por exemplo empilhadeiras ou caminhões numa determinada tarefa? Uma análise segundo este modelo é mostrada na figura 4.

Figura 4 – Exemplo de aplicação do modelo ABC

 

Observe que as quatro primeiras consequências têm avaliação PIC que na escala do poder relativo das consequências mostrada na figura 3 são consequências alavancadoras do comportamento (exceder a velocidade) apesar de saberem que existe uma velocidade regulamentar. Considerando uma consequência negativa que é a possibilidade de se machucarem num acidente, observe que a avaliação é NIU que na escala de poder relativo das consequências é menos poderosa e que, portanto, não inibe o comportamento de violar a velocidade.

Isto ajuda a explicar por que as pessoas cometem equívocos e violações, típicos erros humanos intencionais apresentados no artigo “O ato Inseguro e o Erro Humano”.

Certamente que se removidos alguns fatores culturais e organizacionais, algumas dessas consequências deixariam de ser fortemente influentes no comportamento segundo o modelo. Por exemplo, a conclusão mais rápida da tarefa e o cumprimento de prazos é uma característica de produtividade, normalmente muito valorizada nas organizações e que acabam se transformando em elementos contributivos ao comportamento especialmente no que se refere a violações e equívocos.

Imagine que uma avaliação estatística de produtividade com base no processo (média e desvio padrão) como forma de avaliar a produtividade poderia inibir a valorização desta variável no comportamento seguro, por exemplo. Imagine se existisse um mecanismo de verificação sistêmica da velocidade e que houvesse uma punição por excedê-la e que isso fosse imediato e certo, a avaliação seria NIC e assim sendo, a consequência punição por excesso de velocidade assumiria na escala poder forte de indução de comportamento e, portanto, contribuiria para que as pessoas não violassem a velocidade regulamentada.

É fato que a correta caracterização e classificação do ato inseguro é importante na investigação do incidente para evitar a recorrência. No entanto, é mais relevante incorporar esta abordagem na avaliação de risco pois enquanto a investigação de incidentes é uma forma reativa de gerenciar o risco, a avaliação de risco é uma abordagem proativa pois permite antecipar à ocorrência de um evento indesejado e assim evitar os incidentes.

Continue lendo o próximo artigo que dá sequência ao tema: Ato inseguro e Tomada de Decisão (ARTIGO 3/4)

Autor: Reginaldo Pereira Lapa
Engenheiro de Minas e de Segurança do Trabalho

1 – Fonte: Lapa, Reginaldo P., Investigação e Análise de Incidentes, Edicon, São Paulo, 2011
2 – Fonte: Reason, James. Human Error, Cambridge University Press, USA, 1990

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